Crónica de Alexandre Honrado – Eu (Envenenado)

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Crónica de Alexandre Honrado – Envenenado

 

Há uma diferença enorme, com um lugar vazio de premeio, entre a emoção e o sentimento. Há também na relação de escalas uma diminuição registada entre a capacidade que temos de gerir, interpretar, comunicar emoção e o sentimento, que nutrimos, que sentimos que partilhamos, ou não, porque se paga caro a indiferença e o desgaste da habituação.

Não sentimos o que sentíamos, há uma dúzia de anos atrás, porque nos desabituámos do sentir e assim a dor, o amor, a morte, o altruísmo, o bem comum, o intercultural, o plural, tornaram-se paisagens cinzentas de um colorido que podia guindá-los ao mundo dos afetos para todos. Choramos menos os outros – e choramo-nos com mais frequência. Essa regressão de ser com o Outro para um Ego inconsistente torna-nos mais frágeis. Recorremos a nós, quando as dúvidas em nós se tornam coisa distante e indetetável. Sofremos. Mas nem assim a emoção – que calcificou – e o sentimento – que não geramos – se apuram nesta exigência perante do egoísmo, estabelecida pela vida que vamos tendo.

Do neurocientista ao filósofo – e a distância entre ambos é mínima – a distinção entre emoção e sentimento tornou-se não só cada vez mais evidente, como cada vez mais identificada, estudada, analisada. Eles sabem que ambas são pontos no mapa do Humano, cada vez mais ínfimos. São nos pequenos núcleos, minúsculos apontamentos, crepúsculos do nada a que se destinam.

Digamos que o neurocientista, o cientista cognitivo, os filósofos da fenomenologia podiam explicar-nos, se quisessem, pois estenderam-nos, há muito tempo, na sua lamela e olham para nós, por vezes com incredulidade, nos seus laboratórios, locais que são afinal o último reduto onde o ser humano pode redimir-se. Os estudiosos destas coisas sabem que até o vazio é povoado (sim, dou sempre atenção ao que José Gil me ensina).

O bombardear emocional, sobretudo o bombardear mediático, tem feito dos seres humanos do século XXI as figurinhas apáticas e feridas que não agem perante o emocional, mas o desgastam a cada imagem. Mas somos ainda, paradoxalmente, modos de ver, se soubermos fazer de cada olhar uma crítica, isto é, um ato empático, político e poderoso (como aprendemos com John Berger, por exemplo).

Estou em crer que é o consumo tóxico das notícias de televisão, rádio, jornais, revistas, redes sociais, que me envenenam a ponto de escrever estas coisas.

 

Alexandre Honrado
Historiador

 


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